Evolução e Bases Constitucionais do Direito À Propriedade

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Evolução e Bases Constitucionais do Direito À Propriedade

 O mais importante suporte Constitucional à Propriedade se encontra no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), sim, o famoso Artigo dos Direitos Fundamentais do ser humano, que assim determina:

Art. 5º, “caput”, CF/88:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

 

 O Direito à Propriedade vem desde a antiga Roma, desde o Direito Romano e, na nossa Constituição Federal vem num lugar de destaque, justamente no caput, na cabeça do Art. 5º que, como dito, é o artigo que trata dos Direitos Fundamentais do ser humano, ou seja dos direitos mais importantes que nós temos na nossa legislação. Nota-se que na colocação topográfica ele se iguala ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, apesar de alguns constitucionalista acreditarem que este caput do artigo 5º, estabelece uma ordem de valor, uma ordem de hierarquia, sendo que o direito à vida é mais importante do direito de propriedade e, este, mais importante de todos os outros direitos que depois dele vêm na nossa legislação. A importância dele é tal que pode ser defendido pelo proprietário com todos os meios que a legislação coloca ao nosso dispor, incluindo o uso da força, assim como defenderíamos a nossa e de terceiro vida, por meio do instituto da legitima defesa.

 Como dito, o direito à propriedade vem desde a Antiga Roma e nos acompanha até hoje; de fato, não têm pessoa que não seja proprietário de alguma coisa, seja um bem de uso pessoal, seja um bem imobiliário.

 Prosseguindo com o artigo 5º, nós temos os incisos XXII e XXIII que dizem:

 

Art. 5º, XXII, CF/88:

é

É garantido o direito à propriedade”;

Art. 5º, XXIII, CF/88:

A propriedade atenderá a sua função social”.

 

 Este último inciso é da mais nobre relevância e faz parte da maioria das Constituições modernas mundo afora e, foi incluído também na nossa Constituição.

 Vale lembrar que, apesar do direito à propriedade vem da Antiga Roma, no período conhecido como da Idade Média, nós tivemos uma certa diminuição deste direito pelo fato da propriedade estar concentrada nas mãos de poucos; de fato, sabemos que na Magna Carta de 1215 assinada, sob o auspicio da Igreja, pelo Rei da Inglaterra João sem Terra, os barões impuseram ao Rei uma carta de intenções, a famosa Magna Carta Libertatum, onde, um dos direitos fundamentais era justamente a garantia da propriedade contra o arbítrio da Coroa, que, durante as guerras, numerosas naquela época, o Rei se apropriava, manu militare, dos bens pertencentes aos barões que estavam nos campos de batalha justamente suportando a Coroa. Esta “concessão” deu início ao Devido Processo Legal (Due Processo of Law), que determina que ninguém será privado de sua liberdade e de seus bens sem o devido processo legal. Praticamente, coisa bem nota, o Direito nasce e evolui para se defender dos arbítrios do Rei ou do Estado, Estado que, segundo o famoso filosofo Thomas Hobbes (1588 Inglaterra), é um Leviatão, um monstro, que tudo tira de seus súditos/cidadãos se não forem a ele impostos limites (mais ou menos como o (Carné) Leão e o direito tributário de hoje em dia).

 Ressaltamos então que o Direito à propriedade tem uma base Constitucional muito solida aqui em nosso Pais, que vem desde a Magna Carta Libertatum e, do Direito Romano, com as Institutas do Imperador Justiniano.

 Continuando com a evolução histórica da propriedade, sabemos que antes de Roma, a terra não tinha proprietários, ela era transitoriamente possuída (no sentido do instituto da Posse e não do instituto da Propriedade), por quem a cultivava, por quem que ali se estabelecia com sua família e grupo social, característica que reencontramos, mais modernamente, ao tempo das colonizações da América do Norte (Estados Unidos), Canada e América do Sul, onde viviam os Índios, que não cultivavam a ideia da propriedade como direito absoluto de um indivíduo, sendo que é somente hoje que se fala de marco territorial, das terras dos indígenas etc.

 Podemos afirmar que esta ideia individualista é fenômeno dos tempos modernos; de fato, qual o maior sonho de todas as pessoas se não aquele de ser proprietário de um ou mais imóvel?

 Entretanto, este direito de quem detêm propriedade, vem sofrendo cada vez mais limitações e restrições ao longo do tempo, sendo a mais importante de todas a da Função Social.


 Analisamos agora a Propriedade no Direito Contemporâneo

 A época contemporânea é marcada pela revisão da postura não intervencionista do Estado e da concepção individualista da sociedade típica da época moderna cujo marco é a Revolução Francesa de 1789, cujo famoso lema era: Liberté, Egalité e Fraternité...liberdade da ingerência, na vida dos cidadãos, por parte do Estado.

 Esse movimento dá-se, principalmente, a partir da Revolução Industrial (Inglaterra 1800-1840), e dos movimentos sindicais que passam a requerer a proteção dos direitos sociais, que exigem uma atitude positiva do Estado, no sentido de prover determinadas necessidades básicas dos cidadãos (saúde, trabalho, educação, previdência social) e, também impor limitações as liberdades da burguesia, inclusive limitando-se a propriedade privada. Surge assim, o entendimento do direito de propriedade mercado pelo cunho social.

 E, note a coincidência: não parece que estamos vivendo esta mesma situação agora no nosso País (e no mundo inteiro), onde temos pessoas que sustentam o Liberalismo Econômico, ou seja, menos Estado e outras que defendem mais Estado para a proteção destes direitos sociais?

 É aqui, na Revolução Industrial, que encontramos a gênese da Função Social da Propriedade que está presente na Constituição como base do Direito Imobiliário.

 

 Analisamos agora a evolução (da Função Social) da Propriedade no Direito Brasileiro

 Na Constituição Imperial de 1824 e na Constituição de 1891, vigia um conceito individualista de propriedade, compatível com o período histórico de suas edições, “garantindo o direito de propriedade em toda sua plenitude”, só excepcionado pela desapropriação.

 Percebemos que, não obstante a Revolução Industrial (1800-1840), com o surgimento na Europa de um protagonismo maior por parte do Estado para com a proteção dos direitos sociais, as nossas Constituições acima mencionadas, ainda se baseiam nos ideais da Revolução Francesa de 1789, garantindo o direito de propriedade em toda sua plenitude, salvo pela desapropriação; não havia, portanto, preocupação com a sua função social.

 

 Na Constituição de 1934 foi introduzida a garantia de que o direito à propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo.

 Como lemos, é nesta Constituição que temos o precursor daquela que hoje chamamos de Função Social da Propriedade.

 

 A Constituição de 1946, com o fim do Estado Novo de Vargas, vem a reforçar os ideais da Revolução Industrial e é minuciosa na definição de função social ao ressaltar no artigo 147 que: “O uso da propriedade será condicionado ao bem estar social. A lei poderá com observância do disposto no art. 141, parágrafo 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

 

 A partir da Constituição de 1967, que o termo “função social da propriedade” passa a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro como princípio da ordem econômica.

 

 A Constituição vigente hoje, a de 1988, além de contemplar a função social da propriedade como princípio geral da atividade econômica (art. 170, III, CF/88), inseriu também este princípio no capitulo relativo aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no inciso posterior ao que garante o direito de propriedade (art. 5º, XXII e XXIII, CF/88). Define ainda, o conteúdo função social no que se refere à propriedade urbana (art. 182, parágrafo 2º) e a propriedade rural (art. 186, CF/88).

 

 Com isso percebemos como a função social da propriedade evolui ao longo do tempo solidificando-se na Constituição de 1988, onde é completamente eliminado o caráter individualista e absoluto do direito de propriedade. Concluímos portanto, repropondo os incisos com os quais começamos esta digressão:  

Art. 5º, XXII, CF/88:

É garantido o direito à propriedade”;

Art. 5º, XXIII, CF/88:

A propriedade atenderá a sua função social”.


 Entretanto, não podemos esquecer o preceito, o interesse de caráter econômico da função social, magistralmente esclarecido no art. 170, II e III, CF/88, vejamos:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

Inciso II – propriedade privada;

Inciso III – função social da propriedade;

 

 Este artigo da ordem econômica demonstra que a função social da propriedade é também interesse do Estado e não somente do indivíduo, interesse que não é de socializar a propriedade privada mas, de manter a propriedade privada como uma função social, tanto é que a propriedade privada é um princípio constitucional preservado no inciso II deste artigo.

 

 Ainda temos os Art. 182, caput e parágrafo 2º e 186 com seus incisos:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Político Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. (...)

Parágrafo 2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

 

 

 Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

 

 Resumindo:

 A função social da propriedade determina que o proprietário tem um dever para com toda a sociedade de usar a propriedade de forma a lhe dar melhor destinação sob o ponto de vista dos interesses coletivos.

 A condição de proprietário acarreta não apenas direitos sobre o bem e em relação a terceiros, mas também deveres para com a satisfação dos interesses e necessidades da sociedade.

 A ideia da nossa Constituição é conciliar interesse individual e social: ao mesmo em que garante a propriedade privada e a obtenção de vantagens para o proprietário, vincula essas vantagens à promoção do bem comum.

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Cosimo Ciminelli

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